Um coisa que sempre me incomodou muito é quando me pedem para chegar num determinado horário, e depois me fazem ficar esperando. Quinze minutos era o limíte da minha paciência.
Eu e meu pai já estávamos esperando há mais de meia hora.
“Isso só pode ser de propósito,” reclamei. Tinham nos pedido para esperar no escritório da diretora assim que chegamos, mas a diretora não estava lá.
“Hmm. Tentando mostrar que estão acima de nós, nos fazendo perder tempo,” meu pai concordou, “Talvez. Ou estamos aguardando a outra menina chegar.”
Eu estava sentada num ângulo em que se eu me inclinasse um pouquinho, poderia enxergar o pedacinho da janela do escritório que não era coberto pelas cortinas. Não muito depois de chegarmos, Emma e seu pai apareceram, totalmente casuais e sem estresse, como se fosse um dia normal. Ela nem estava preocupada. Ela e seu pai eram nada parecidos, além do cabelo ruivo – ele era grande em todos os sentidos da palavra. Mais alto que a média, barriga saliente, e quando precisava usá-la, ele tinha uma voz poderosa que chamava a atenção das pessoas. A Emma só tinha os peitos grandes mesmo.
O pai de Emma estava falando com os pais de Madison. Só a mãe da Madison era pequena como a filha, mas ambos pareciam bem jovens. Diferente de Emma e seu pai, Madison e seus pais pareciam preocupados, e eu inferi que o pai de Emma estivesse tentando acalmá-los. Já a própria Madison estava olhando para o chão, quieta, somente respondendo o que Emma dizia.
Sophia foi a última a chegar. Ela parecia carrancuda, brava, uma expressão que me lembrava a Bitch. A mulher que a acompanhava definitivamente não era sua mãe. Era loira de olhos azuis, com um rosto delicado e usava uma camisa azul-escura e calças sociais bege.
A secretária nos chamou do escritório não muito depois.
“Cabeça erguida, Taylor,” meu pai murmurou enquanto eu colocava a mochila nas costas, “Mostre segurança, porque isso não vai ser fácil. Mesmo nós estando certos, o Alan é advogado, e é um mestre em manipular o sistema.”
Assenti. Eu já estava pensando nele dessa forma. Depois de atender a ligação do meu pai, fora Alan quem havia sugerido esta reunião.
Fomos levados pelo corredor até o escritório da orientadora, uma sala com uma grande mesa oval. O Trio e seus representantes legais se assentaram em uma ponta da mesa, sete ao todo, e pediram que nos sentássemos na outra ponta. A diretora e meus professores chegaram pouco tempo depois, sentando-se entre os dois pólos. Talvez eu ainda estivesse muito impressionada pela reunião de supervilões dois dias atrás, mas percebi que o Sr. Gladly havia se sentado ao lado do pai da Madison, enquanto a cadeira ao lado do meu pai permaneceu vazia. Estaríamos completamente isolados do grupo do lado oposto da mesa se a Sra. Knott, minha professora do primeiro horário (N.T.: ‘homeroom’ é como os norte-americanos chamam a primeira aula do dia, dura uma meia hora e é mais para avisos e se preparar para o dia de aula), não houvesse se sentado à minha esquerda. Será que ela estaria sentada ali, se houvessem mais assentos disponíveis?
Eu estava nervosa. Já tinha contado ao meu pai que estava perdendo aulas. Não disse quantas, mas não queria cometer o mesmo erro da Bitch de não o deixar ciente da situação de antemão. Eu previa que comentassem isso na reunão. Estava preocupada de as coisas não irem como eu gostaria. Pensando se eu iria, de algum jeito, estragar tudo.
“Obrigada a todos por virem,” disse a diretora, ao sentar-se e puxar uma pasta fina para a frente. Ela era uma mulher magra, com cabelos loiro-escuros num corte curto que eu nunca tinha achado atraente. Ela se vestia como se estivesse num funeral – blusa, suéter, saia e sapatos pretos, “Estamos aqui para discutir alguns incidentes em que uma de nossas alunas foi vitimizada.” Ela olhou para a pasta que havia trazido, “Srta. Hebert?”
“Sou eu.”
“E os indivíduos acusados de mau comportamento são… Emma Barnes, Madison Clements e Sophia Hess. Você já esteve no meu escritório, Sophia. Eu gostaria que tivesse a ver com o time de corrida, ao invés de detenção.”
Sophia resmungou uma resposta que parecia concordar.
“Agora, se entendi corretamente, Emma foi atacada fora da escola pela Srta. Hebert? E logo depois, foi acusada de bullying?”
“Sim,” Alan disse, “Seu pai me ligou, me confrontando, e achei melhor trazer isto ao lugar apropriado.”
“Uma boa ideia,” a diretora concordou, “Vamos resolver este assunto.”
Então ela se virou para meu pai e eu, com as mãos para cima.
“Que foi?” perguntei.
“Por favor. Quais acusações gostaria de fazer contra estas três?”
Ri um pouco, desacreditada, “Legal. Então vocês chamam a gente assim de repente, sem preparo, e querem que eu esteja pronta para depor?”
“Talvez para descrever alguns dos incidentes maiores?”
“E que tal os menores?” a desafiei, “Todas as pequenas coisas que faziam do meu dia-a-dia um inferno?”
“Se não consegue se lembrar-”
“Eu me lembro,” a cortei. Me abaixei para pegar uma pilha de papéis da mochila que havia colocado no chão. Tive que arrumá-la um pouco para dividi-la em duas pilhas. “Seis emails ofensivos, Sophia me empurrou da escada quando eu estava terminando de descer, me fazendo derrubar os livros, me empurrou e derrubou três vezes durante a aula de educação física, e jogou minhas roupas em mim enquanto eu estava no chuveiro quando a aula acabou, deixando-as molhadas. Eu tive que usar a roupa de educação física o resto do dia. Na aula de biologia, Madison usou todas as desculpas possíveis para ir apontar os lápis ou falar com a professora, e cada vez que passava pela minha carteira, ela derrubava todas as minhas coisas no chão. Eu estava preparada para a quarta vez, e abracei a carteira para impedi-la, então ela simplesmente pegou o lixo do apontador e jogou tudo na minha cabeça enquanto passava. Todas as três me encurralaram depois da escola e tomaram minha mochila de mim, jogando-a no lixo.”
“Entendo,” disse a diretora com uma expressão empática, “Não é muito bacana, né?”
“Isso foi dia oito de setembro,” apontei, “Meu primeiro dia de volta às aulas, semestre passado. No dia nove-”
“Com licença, perdão. Quantos registros você tem?”
“Um para cada dia de aula começando pelo semestre passado. Desculpe, só comecei a anotar desde então. Dia nove, outras meninas da minha sala foram encorajadas por essas três a me insultar. Eu estava usando a mochila que elas tinham jogado no lixo, então todas as meninas que sabiam ficavam tampando o nariz ou dizendo que eu tinha cheiro de lixo. Isso pegou, e pelo fim do dia, várias pessoas estavam fazendo a mesma piada. Tive que mudar o meu email após minha caixa de entrada encher totalmente com emails daquele mesmo estilo. Tenho todos os emails aqui, aliás.” Pus a mão na segunda pilha de papéis.
“Se me permite?” a Sra. Knott pediu. Dei a ela a pilha de emails.
“Se sufoque num caco de vidro. Ver você me deprime. Morra num incêndio,” ela recitou ao ler as páginas.
“Vamos voltar ao assunto,” meu pai disse, “Veremos tudo eventualmente. Minha filha estava falando.”
“Eu não tinha terminado o dia nove,” falei, “Hã, deixa eu ver. Educação física, de novo-”
“Você vai falar sobre cada um dos incidentes?” a diretora perguntou.
“Achei que quisessem ouvir. Não podem fazer um julgamento justo até ouvirem tudo o que aconteceu.”
“Temo que o volume seja bem razoável, e alguns de nós têm trabalho a fazer ainda esta tarde. Se você puder resumir e contar apenas os incidentes mais importantes?”
“São todos importantes,” eu disse. Talvez eu tenha erguido a voz, porque meu pai pôs a mão em meu ombro. Respirei fundo, e disse o mais calmamente possível, “Se te incomoda ter que ouvir sobre eles, imagine como foi ter que passar por tudo isso. Talvez você tenha só um mínimo de noção de como é frequentar a mesma escola que elas.”
Olhei para as meninas. Apenas a Madison parecia chateada. Sophia estava me encarando, e Emma parecia entediada, sem preocupação. Não gostei disso.
Alan disse, “Acho que todos entendemos que tem sido desagradável. Você já mostrou bastante, e agradeço o seu insight. Mas quantos destes incidentes podem ser provados? Esses emails foram enviados dos computadores da escola?”
“Muito poucos foram enviados daqui, a maioria são contas descartáveis do hotmail e da yahoo,” respondeu a Sra. Knott, enquanto folheava as páginas, “E quanto àqueles que usam o email da escola, não podemos descartar a chance de alguém ter esquecido sua conta logada quando saiu do laboratório de informática.” Ela me lançou um olhar de desculpas.
“Então os emails não contam,” Alan falou.
“Não é você que decide isso,” meu pai retrucou.
“Um monte dos emails foram mandados durante o horário escolar,” afirmei. Meu coração quase saía pela boca. “Eu até os assinalei em azul.”
“Não,” a diretora disse, “Concordo com o Sr. Barnes. É melhor que demos atenção às coisas que podemos verificar. Não podemos saber quem mandou esses emails ou de onde.”
Todo o meu trabalho, todas as horas que gastei anotando os eventos quando a última coisa que eu queria era lembrar daqueles dias, jogados fora. Cerrei os punhos no meu colo.
“Tudo bem?” meu pai murmurou para mim.
Tinha muito pouca coisa que eu podia realmente provar.
“Duas semanas atrás, o Sr. Gladly me chamou para conversar,” falei para os presentes, “Ele percebeu que algumas coisas haviam acontecido em sua aula. Minha carteira era vandalizada com rabiscos, suco, cola, lixo e outras coisas em diferentes dias. O senhor se lembra, Sr. Gladly?”
O Sr. Gladly assentiu, “Sim.”
“E depois da aula, se lembra de me ver no corredor? Cercada por garotas? Sendo humilhada?”
“Eu me lembro de te ver no corredor com outras garotas, sim. Se me lembro bem, não foi muito depois de você ter me dito que queria lidar com isso sozinha.”
“Não era isso o que eu disse,” tive que me segurar para não gritar, “Eu disse que achava que uma reunião como esta daqui seria uma perda de tempo, uma farça. Até agora, não estão me convencendo do contrário.”
“Taylor,” meu pai falou. Ele pôs a mão em um de meus punhos cerrados, e então se dirigiu aos professores, “Estão acusando minha filha de inventar tudo o que ela documentou aqui?”
“Não,” a diretora disse, “Mas acho que quando alguém está sendo vitimizado, é plausível que alguns eventos pareçam ter proporções maiores do que realmente têm. Temos que nos assegurar de que estas três moças recebam o tratamento justo.”
“Eu-” comecei, mas meu pai apertou minha mão, e calei a boca.
“Minha filha merece um tratamento justo também, e mesmo se só uma parcela dessas acusações forem verdade, isso já configura uma série contínua de abuso físico e psicológico. Alguém aqui discorda?”
“Abuso é uma palvra forte,” disse Alan, “Vocês ainda não provaram-”
“Alan,” meu pai o interrompeu, “Cale a boca, fazendo o favor. Não estamos num tribunal. Todos aqui nesta mesa sabem o que essas garotas fizeram, e você não pode nos obrigar a ignorar isto. A Taylor já jantou na sua mesa centenas de vezes, e a Emma fez o mesmo na nossa. Se está chamando ela de mentirosa, diga sem rodeios.”
“Só acho que talvez ela esteja sensível, principalmente depois da morte de sua mãe, ela-”
Empurrei uma pilha de papéis para fora da mesa. Tinha umas trinta ou quarenta folhas, o que fez uma bela nuvem de papéis deslizando no ar.
“Nem mencione esse assunto,” eu disse baixinho, quase não podia me ouvir com o zumbido em meus ouvidos, “Não faça isso. Ao menos finja que é humano.”
Vi um sorrisinho sem vergonha no rosto de Emma, antes de ela colocar os braços sobre a mesa e escondê-lo com as mãos.
“Em janeiro, minha filha foi vítima de um dos ataques mais maldosos, mais nojentos que já ouvi em toda a minha vida,” meu pai falou para a diretora, ignorando os papéis que continuavam deslizando até o chão, “Ela foi parar no hospital. Você olhou em meus olhos e disse que iria cuidar melhor da Taylor. Claramente não cuidou.”
O Sr. Quinlan, meu professor de matemática, disse, “O senhor tem que entender, há outras coisas que demandam nossa atenção. Temos alunos na escola metidos com gangues, temos que lidar com eventos sérios como alunos trazendo facas para a escola, usando drogas, e sofrendo ferimentos letais em brigas dentro do campus. Se não conseguimos presenciar todos os eventos, certamente não é intencional.”
“Então a situação da minha filha não é séria.”
“Não é isso que estamos dizendo,” a diretora respondeu, exasperada.
Alan disse, “Vamos direto ao assunto. O que vocês gostariam que acontecesse, aqui, nesta reunião, que deixaria vocês satisfeitos?”
Meu pai se virou para mim. Havíamos falado sobre isso brevemente. Ele tinha dito que, como representante do sindicato, ele sempre entrava numa discussão com um objetivo em mente. Já tínhamos o nosso. Era minha vez de falar.
“Me transfiram para a Arcadia High.”
Alguns dos presentes demonstraram surpresa.
“Eu estava esperando um pedido de expulsão,” a diretora respondeu, “Muitos estávamos.”
“Nem fodendo,” falei. Pressionei meus dedos nas têmporas, “Desculpe o palavreado. Ainda estou sofrendo os efeitos da minha concussão. Mas não, não quero expulsão. Porque isso só significa que elas podem se inscrever na outra escola mais próxima, a Arcadia, e como não estariam matriculadas em lugar nenhum, passariam na frente da lista de espera. Isso seria um prêmio para elas.”
“Um prêmio,” a diretora disse. Acho que ela estava ofendida. Gostei.
“Sim,” eu disse, sem me importar com seu orgulho ferido, “A Arcadia é uma boa escola. Sem gangues. Sem drogas. Com um bom orçamento. Ela tem uma reputação a manter. Se eu sofresse bullying lá, eu poderia ir até a administração escolar pedir ajuda. Nada disso ocorre aqui.”
“É só isso que você quer?” Alan perguntou.
Balancei a cabeça, “Não. Se dependesse de mim, essas três pegariam suspensão intra-escolar pelos dois meses restantes deste semestre. Sem nenhum privilégio. Não poderiam ir aos bailes, aos eventos da escola, usar os computadores, ou participar de grupos e clubes.”
“A Sophia é uma das nossas melhores na equipe de corrida,” a diretora disse.
“Eu realmente não ligo, mesmo,” respondi. Sophia olhou feio para mim.
“Por que suspensão intra-escolar?” perguntou o Sr. Gladly, “Para isso, alguém precisaria ficar sempre de olho nelas.”
“Eu teria que repor aulas nas férias de verão?” Madison se atentou.
“Teríamos que oferecer uma reposição caso fizéssemos isso, sim,” a diretora disse, “Acho que isso é um pouco demais. Como o Sr. Gladly falou, demanda recursos dos quais não dispomos. Nosso pessoal já tem trabalho o bastante.”
“Suspensão é tipo férias,” retruquei, “isso só faria com que elas pudessem fazer uma visita à Arcadia para se vingar de mim lá. Não. Eu preferiria que elas não tivessem punição alguma do que vê-las suspensas ou expulsas.”
“Isso é sempre uma opção,” Alan brincou.
“Calado, Alan,” meu pai respondeu. Para o resto da mesa, ele disse, “Não vejo nada de impossível no que minha filha está propondo.”
“É claro que não,” a representante de Sophia falou, “O senhor pensaria diferente caso estivesse do outro lado da mesa. Acho importante que a Sophia continue frequentando as atividades esportivas. O esporte dá a ela a estrutura que ela precisa. Negar isso a ela só levaria a um comportamento e conduta piores.”
O pai de Madison acrescentou, “Eu acho que dois meses de suspensão é tempo demais.”
“Devo concordar com isso,” a diretora falou. Ao ver eu e meu pai prontos para revidar, ela ergueu as mãos para nos impedir, “Dados os eventos de janeiro, e com a admissão do Sr. Gladly de que houveram incidentes durante suas aulas, percebemos a presença de um bullying contínuo. Gosto de pensar que meus anos como educadora me deram uma abilidade de reconhecer culpa quando a vejo, e estou certa de que estas garotas são culpadas de parte do que a vítima as está acusando. Proponho uma suspensão de duas semanas.”
“Você sequer ouviu o que eu disse?” perguntei. Meus punhos estavam fechados tão forte que minhas mãos tremiam, “Não estou pedindo uma suspensão. Isso é a última coisa que eu quero.”
“Apoio a posição da minha filha nisso,” meu pai disse, “Eu diria que duas semanas é uma piada, dada essa lista de ofensas criminais que estas garotas cometeram, porém não tem nada de engraçado nisso.”
“Sua lista significaria alguma coisa caso pudesse provar com evidências,” Alan comentou secamente, “E se não estivesse esparramada pelo chão.”
Pensei por um momento que meu pai ia partir pra cima dele.
“Qualquer coisa além de duas semanas impactaria demais o desempenho acadêmico das meninas, ao ponto de elas correrem o risco de reprovação,” a diretora apontou, “Não acho que isso seja justo.”
“E o meu desempenho não sofreu impacto por causa delas?” perguntei. O zumbido em meus ouvidos chegou em seu limite. Percebi, tarde demais, que tinha acabado de dar a ela uma chance de comentar sobre minhas faltas.
“Não estamos dizendo que não,” o tom da diretora era paciente, como se ela estivesse conversando com uma criancinhas, “Mas justiça de ‘olho por olho’ não ajuda a ninguém.”
Ela nem mencionou as faltas. Será que ela sequer sabia delas?
“Tem algum tipo de justiça aqui?” respondi, “Não estou vendo.”
“Elas estão sendo punidas por sua má conduta.”
Tive que me esforçar para mandar os insetos para longe. Acho que eles estavam reagindo ao meu estresse, ou a concussão estava me deixando menos alerta quanto ao que eles estavam fazendo, porque estavam fazendo força para agir mesmo sem uma ordem minha. Nenhum deles havia entrado na escola ou na sala de conferências, graças a deus, mas eu estava cada vez mais aflita com a possibilidade de perder o controle. Se eu o perdesse, ao invés de eles casualmente passearem na minha direção, os insetos iriam imediatemnte irromper num enxame furioso.
Respirei bem fundo.
“Que seja,” falei, “Quer saber? Tá. Deixa elas se safarem com duas semanas de férias como um prêmio pelo que fizeram para mim. Talvez se os pais delas tiverem um mínimo de moral ou de responsabilidade, eles darão uma punição apropriada. Não me importo. Só me transfiram para a Arcadia. Me deixem ir embora daqui.”
“Não é bem algo que eu possa fazer,” disse a diretora, “Há jurisdições-”
“Tente,” implorei, “Dê seus pulos, peça favores, converse com colegas em outros cargos?”
“Não quero prometer nada que eu não possa cumprir,” ela disse.
Ou seja, ‘não’.
Me levantei.
“Taylor,” meu pai pôs sua mão em meu braço.
“Não somos seus inimigos,” a diretora falou.
“Não?” ri um pouco, amargamente. “Que engraçado. Porque parece que são vocês, as bullies e seus pais contra eu e o meu pai. Quantas vezes você me chamou pelo nome hoje? Nenhuma. Você sequer tentou? É um truque usado por advogados. Eles chamam seu cliente pelo nome, mas se referem à outra pessoa como ‘a vítima’, ou ‘o acusado’, dependendo. Faz com que seu cliente seja mais identificável, desumanizando o outro lado. Ele começou a fazer isso desde o começo, talvez até antes da reunião começar, e você entrou nisso sem perceber.”
“Você está paranoica,” a diretora falou. “Taylor. Tenho certeza que eu disse seu nome.”
“Vai pra casa do caralho,” explodi, “Você me dá nojo. Sua desumana, vil, egoísta-”
“Taylor!” meu pai puxou meu braço, “Chega!”
Tive que me concentrar por um segundo e mandar os insetos para longe, de novo.
“Talvez eu traga uma arma para a escola,” falei, encarando os presentes, “Se eu ameaçasse esfaquear uma delas, vocês pelo menos me expulsariam? Por favor?” Pude ver Emma arregalar os olhos ao ouvir isso. Ótimo. Talvez agora ela pensasse duas vezes antes de me incomodar novamente.
“Taylor!” meu pai disse. Ele se levantou e me deu um abraço apertado, com meu rosto contra seu peito para que eu não falasse mais.
“Preciso chamar a polícia?” ouvi Alan dizer.
“Pela última vez, Alan, cale essa boca,” meu pai grunhiu, “Minha filha está certa. Isso é uma piada. Tenho amigos que trabalham na mídia. Acho que vou contatá-los, mandar um email com a lista de incidentes. Talvez pressão popular resolva alguma coisa.”
“Espero que não precise disso, Danny,” Alan respondeu, “Se me lembro bem, sua filha atacou e agrediu a Emma noite passada. Além de tê-la ameaçado aqui, agora há pouco. Poderíamos prestar queixa disso. Tenho a gravação do ocorrido no shopping, e um certificado assinado daquela heroína adolescente, Shadow Stalker, que confirma que ela viu o ocorrido, que poderia ter causado um tumulto.”
Ah. Então era por isso que a Emma estava tão confiante. Ela e seu pai tinham uma carta na manga.
“Há circunstâncias envolvidas,” meu pai protestou, “Ela teve uma concussão, ela foi provocada, e ela só bateu na Emma uma vez. O processo não ia ir pra frente.”
“Não. Mas poderia durar algum tempo. Quando nossas famílias costumavam jantar juntas, se lembra de como eu disse que esses casos acabavam se resolvendo?”
“Por quem ficava sem dinheiro primeiro,” meu pai disse. Senti o abraço ficar um pouco mais apertado.
“Eu posso advogar para divórcio, mas o mesmo princípio se aplica em casos criminais.”
Se usássemos a imprensa, ele prestaria queixas só para esvaziar nossas contas bancárias.
“Achei que fôssemos amigos, Alan,” meu pai respondeu, com a voz esgarçada.
“Éramos. Mas no fim das contas, tenho que proteger minha filha.”
Olhei para meus professores. Para a Sra. Knott, que eu poderia dizer que era minha preferida, “Não estão vendo que baboseira? Ele está nos ameaçando bem na frente de vocês, e não conseguem entender que têm sido manipulados desde o começo?”
A Sra. Knott franziu o cenho, “Não gostei do que ele disse, mas só podemos comentar e agir sobre o que aconteceu na escola.”
“Está acontecendo bem aqui!”
“Você entendeu o que eu quis dizer.”
Saí do abraço. Em minha pressa de sair daquela sala, praticamente fui chutando meu caminho até a porta. Meu pai me alcançou no corredor.
“Me desculpe,” ele disse.
“Tanto faz,” eu disse, “Eu já sabia que ia ser assim.”
“Vamos pra casa.”
Balancei a cabeça, saindo de perto, “Não. Preciso sair daqui. Ir embora. Não vou voltar para o jantar.”
“Chega.”
Esperei um momento.
“Quero que você saiba que eu te amo. Isso ainda não acabou, e vou estar te esperando quando voltar para casa. Não desista, e não faça nada de perigoso.”
Abracei meus braços para tentar fazer minhas mãos pararem de tremer.
“Tá.”
O deixei para trás e fui até o portão de entrada da escola. Olhando duas vezes para ver se ele estava me seguindo ou podia me ver, peguei um dos celulares descartáveis do bolso do meu moletom. Lisa atendeu no primeiro toque. Ela sempre fazia isso – era o jeitinho dela.
“E aí. Como foi?”
Não consegui achar palavras para responder.
“Tão ruim assim?”
“É.”
“Precisa de alguma coisa?”
“Quero bater em alguém.”
“Estamos nos arrumando para um ataque à ADM. Não te incomodamos com isso porque você ainda está se recuperando, e eu sabia que estaria ocupada com sua reunião na escola. Quer vir?”
“Sim.”
“Legal. Estamos nos dividindo para vários ataques coordenados com alguns dos outros grupos. Você estaria com, um minuto-”
Ela disse alguma coisa, mas não para o telefone. Ouvi a voz grave de Brian respondendo.
“Todos os grupos estão se dividindo, é complicado de explicar, mas enfim. A Bitch vai estar com um ou dois membros dos Viajantes, alguém da galera da Faultline e provavelmente alguns da Império-oitenta-e-oito. Ficaríamos aliviados se você fosse junto. Principalmente considerando a tensão entre nós e a Império.”
Eu podia ver o ônibus virando a esquina, se aproximando.
“Chego aí em meia hora.”